MPS I (HURLER / HURLER-SCHEIE / SCHEIE)

MPS I (HURLER / HURLER-SCHEIE / SCHEIE)


Mucopolissacaridose tipo I (Hurler/Hurler-Scheie/Scheie)

 

O que é?

A Mucopolissacaridose tipo I (MPS I) é uma doença genética rara e progressiva causada pela mutação de um gene que leva à deficiência de uma enzima chamada alfa-L-iduronidase. Esta enzima é essencial para metabolizar os glicosaminoglicanos (GAGs), que são moléculas complexas, constituídas por cadeias de açúcares e utilizadas com ação de sustentação e ligação na estrutura das células e tecidos e que existem dentro das células. Quando esta enzima não funciona, os GAGs, concretamente o sulfato de heparano e o sulfato de dermatano, não são degradados e acumulam-se no interior nos lisossomas das células, causando danos em diferentes tecidos e órgãos. Pertencem ao grupo das doenças lisossomais de sobrecarga.

Quem é afetado? 

A MPS I é uma doença autossómica recessiva, isto é, são necessárias duas mutações no mesmo gene para a pessoa ter a doença. Geralmente cada um dos progenitores é portador de uma mutação e a probabilidade de nascer uma criança com esta doença, nesta família, será de 25% em cada gestação. A nível mundial, a MPS I tem uma incidência de 1 para 100 mil nascimentos.

Classificação

Dependendo da gravidade da doença, a MPS I classifica-se em três fenótipos diferentes:

Doença de Hurler: A forma mais grave de MPS I, mas também a mais frequente, contabilizando quase 60% dos casos.

Doença de Hurler-Scheie: É a forma de apresentação intermédia, com um fenótipo entre os dois extremos da doença.

Doença de Scheie: Fenótipo menos grave, com doença mais ligeira e diagnóstico mais tardio, por vezes na vida adulta.

Na verdade, a apresentação clínica não é tão compartimentada e há uma continuidade nos quadros clínicos, do mais ao menos grave.

Sintomatologia

Os doentes com MPS I têm um conjunto de sinais e sintomas comuns aos três fenótipos, com atingimento dos mesmos órgãos e sistemas, mas com diferentes níveis de gravidade. Os doentes com MPS I geralmente são recém-nascidos sem aparentes malformações e/ou sinais ao nascimento, mas com o avançar do tempo e com o acúmulo de GAGs, os sinais e sintomas vão aparecendo. Estes doentes têm atingimento músculo-esquelético grave, com fácies característica, doença respiratória, cardíaca, ocular e cognitiva. É também frequente o aumento de órgãos do abdómen como do fígado (hepatomegalia) e do baço (esplenomegalia) e o aparecimento de hérnias inguinais ou umbilicais.

Doença de Hurler: Por ser o fenótipo mais grave, o diagnóstico geralmente ocorre no primeiro ano de vida. São crianças com um fácies particular, impregnado, com cabelo e pelo farto, com atraso do crescimento/baixa estatura, atraso de aquisições motoras e alteração progressiva da mobilidade por alteração esquelética e das articulações. Estas crianças sofrem de infeções respiratórias frequentes (otites, bronquiolites ou amigdalites), com respiração ruidosa e têm o fígado (hepatomegalia) e o baço (esplenomegalia) aumentados; têm doença das válvulas cardíaca e também envolvimento ocular com opacidade da córnea. O envolvimento neurológico acontece desde cedo, com agravamento progressivo do atraso do desenvolvimento psicomotor, com atraso da linguagem e dificuldades na aprendizagem. A esperança de vida está diminuída, e quando não tratada, a morte acontece antes da adolescência devido a complicações cardiovasculares e respiratórias.

Doença de Hurler-Scheie: O aparecimento dos primeiros sintomas acontece geralmente entre os 3 e os 8 anos. São crianças com fácies peculiar, baixa estatura e rigidez articular, com dificuldade na marcha. Têm atingimento das válvulas do coração e opacidade da córnea. O défice intelectual é variável. Quando não tratada, a morte ocorre na 2ª ou 3ª décadas de vida, por complicações cardiovasculares ou respiratórias.

Doença de Scheie: Fenótipo menos grave, com início da adolescência/adulto jovem. Estatura ligeiramente abaixo do normal com rigidez articular. São doentes com inteligência normal. Estes doentes pode ter doença das válvulas cardíacas e opacidade da córnea. A esperança de vida é semelhante à população geral.

Tratamento 

O tratamento da MPS I deve ser realizado por uma equipa multidisciplinar num centro de referência, onde é estabelecido um plano de tratamento. É importante compreender que não existe cura ainda para a MPS I e todos os tratamentos disponíveis são para controlo dos sintomas e/ou prevenção de sintomas futuros, com ação modificadora da evolução natural.

Na doença de Hurler, quando o diagnóstico é feito antes dos 24 meses de vida, o transplante de medula óssea é o tratamento de primeira linha para diminuir a morbilidade e a mortalidade e tem melhores resultados quanto mais precocemente for instituído. Tem menos resposta a nível esquelético, olho e coração.

Para todas as MPS I, a terapia de substituição enzimática com laronidase (Aldurazyme®) melhora os sintomas músculo-esqueléticos, reduz o tamanho do fígado e melhora a baixa estatura. Estes doentes mantêm doença residual importante e o tratamento precoce está associado a melhores resultados. Esta terapia tem poucos benefícios a nível cognitivo.

Para além das opções farmacológicas, o acompanhamento por equipa multidisciplinar é essencial, como já referido, e a fisioterapia é crucial para preservar a amplitude de movimento e melhorar a qualidade de vida destes doentes.

Estão em investigação outras terapêuticas, como a terapia de redução de substrato e a terapia génica, com resultados promissores.

Elaborado por:
Dra. Joana Tenente
Interna de Formação Específica de Pediatria
Centro de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo
Centro Hospitalar Universitário de São João

Referências

Jones, S., & Wijburg, F. A. (2016). Mucopolysaccharidoses, Oligosaccharidoses and Sialic Acid Disorders. Inborn Metabolic Diseases, 577–590. doi:10.1007/978-3-662-49771-5_39

Muenzer J, Wraith JE, Clarke LA, and the International Consensus Panel on the Management and Treatment of Mucopolysaccharidosis I. Mucopolysaccharidosis I: Management and Treatment Guidelines. Pediatrics 2009;123: 19–29. doi:10.1542/peds.2008-0416

Zschocke J, Hoffmann G. Vademecum Metabolicum – Diagnosis and Treatment of Inborn Erros of Metabolism. Schattauer 2014. 3rd edition

Sihoun H. Mucopolysaccharidoses: Clinical features and diagnosis. UpToDate, Porto, Portugal (Acedido em janeiro 2021)

Sihoun H. Mucopolysaccharidoses: Complications. UpToDate, Porto, Portugal (Acedido em janeiro 2021)

https://rarediseases.org/rare-diseases/mucopolysaccharidosis-type-ii-2/