GAUCHER (tipo I, II e III)

GAUCHER (tipo I, II e III)


Doença de Gaucher

 

O que é?

A doença de Gaucher é uma doença hereditária do metabolismo que se caracteriza pela deficiência de uma enzima lisossomal denominada glucocerebrosidase. Esta enzima é responsável pela degradação de glicosilceramida. O seu defeito causa acumulação da glicosilceramida e de outros lípidos dentro dos lisossomas dos macrófagos, levando à sua destruição.

 

Quem é afetado?

A doença de Gaucher é uma doença autossómica recessiva causada por variantes patogénicas no gene glucocerebrosidase 1 (GBA1), presente no cromossoma 1. Tem uma incidência estimada 0,4 a 5,8 para 100 mil nascimentos e uma prevalência de 0,7 a 1,8 por 100 mil pessoas, constituindo uma das doenças mais comuns do grupo das doenças de depósito lisossomal.

 

Quais são os sintomas?

A clínica da Doença de Gaucher é variável e pode surgir em qualquer idade. A intensidade da clínica varia entre doentes assintomáticos a doentes com sintomatologia potencialmente letal no período neonatal.

A Doença de Gaucher pode ser classificada em três tipos, de acordo com a apresentação clínica e evolução natural da doença. As manifestações clínicas são variadas, podendo mesmo ser heterogéneas entre doentes com a mesma forma de apresentação. Pode ainda haver sintomas comuns aos 3 subtipos de Doença de Gaucher (envolvimento dos órgãos viscerais, medula óssea e osso), sugerindo que a Doença de Gaucher possa ser um espectro de manifestações clínicas.

 

  • Doença de Gaucher tipo 1 (forma não neuropática): É a forma mais comum e surge habitualmente na infância ou adulto jovem. Caracteriza-se pela ausência de envolvimento do sistema nervoso central. Os sinais/sintomas mais frequentes são a hepatoesplenomegalia, trombocitopenia com hemorragias frequentes, anemia e manifestações osteoarticulares como dor óssea, osteopenia/osteoporose, e fraturas frequentes. Alguns doentes apresentam atraso do crescimento com atraso do desenvolvimento pubertário. Podem ainda apresentar doença pulmonar intersticial, hipertensão pulmonar, risco aumentado de neoplasias hematológicas ou neuropatia periférica.
  • Doença de Gaucher tipo 2 (forma neuropática aguda): Forma muito rara. Surge habitualmente nos primeiros meses de vida e o atingimento é extenso e grave, com progressão rápida. As crianças afetadas podem apresentar regressão do desenvolvimento psicomotor, crises epiléticas generalizadas, hipotonia, espasticidade, estrabismo, disfagia com dificuldades alimentares, má evolução estaturoponderal, trombocitopenia, hepatoesplenomegalia ou ictiose congénita. O envolvimento osteoarticular é mínimo.
  • Doença de Gaucher tipo 3 (forma neuropática crónica): Surge habitualmente na infância com manifestações neurológicas (ataxia, crises mioclónicas, atraso das sacadas horizontais, regressão neurológica). Os doentes podem ainda apresentar hepatoesplenomegalia, anemia, trombocitopenia, calcificações cardíacas e/ou vasculares, opacidades da córnea e manifestações osteoarticulares variadas (osteopenia, osteosclerose, fraturas vertebrais, osteonecrose dos ossos longos). Ao contrário dos doentes com Doença de Gaucher tipo 2, estes doentes apresentam habitualmente uma progressão mais lenta da clínica.

 

Diagnóstico

Em doentes sintomáticos, o diagnóstico é baseado na história clínica, exame objetivo e avaliação laboratorial. Na suspeita de uma Doença de Gaucher, o diagnóstico deve ser confirmado pela quantificação dos níveis da glucocerebrosidase e/ou teste genético. O teste genético pode fornecer informação adicional relativa ao prognóstico da doença e pode auxiliar no aconselhamento genético.

 

Tratamento

O tratamento da Doença de Gaucher deve ser realizado por uma equipa multidisciplinar, num centro de referência, onde é estabelecido um plano terapêutico individualizado, de acordo com a variabilidade de manifestações, gravidade e progressão da doença. A decisão de iniciar tratamento de substituição enzimática (TSE) ou tratamento de redução de substrato (TRS) é baseada em critérios clínicos e na experiência do centro de referência. Tem como objetivo a melhoria da sintomatologia, prevenção de complicações irreversíveis, melhorar a qualidade de vida e otimizar o desenvolvimento estaturoponderal na criança. A TSE com imiglucerase ou velaglucerase está indicada em crianças e adultos sintomáticas e adultos com Doença de Gaucher tipo 1, podendo ser considerada em determinados doentes com Doença de Gaucher tipo 3 antes do desenvolvimento de sintomas neurológicos. A sua utilização em doentes com Doença de Gaucher tipo 2 tem um intuito paliativo. O TRS com eliglustat pode ser uma alternativa em alguns adultos. Outras opções terapêuticas, como a esplenectomia e o transplante de células de medula óssea, podem ser consideradas em determinados doentes.

 

Prognóstico

A evolução clínica e prognóstico é variável entre os subtipos da Doença de Gaucher, assim como entre indivíduos com a mesma doença. Um dos fatores mais importantes para o prognóstico é a presença de complicações neurológicas. Com tratamento adequado, doentes com Doença de Gaucher tipo 1 têm uma esperança média de vida semelhante à população geral. Os doentes com Doença de Gaucher tipo 2 e tipo 3, e nomeadamente a forma aguda neuropática, têm prognósticos mais reservados.

 

Bibliografia

  • Hughes D, Sidransky E. Gaucher disease: Pathogenesis, clinical manifestations, and diagnosis. In: UptoDate, TePas E (Ed), UpToDate, Waltham , MA. (Accessed on January 24, 2022)
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  • Comissão Coordenadora de Tratamento das Doenças Lisossomais de Sobrecarga. Terapêutica Específica da Doença de Gaucher tipo 1. (Accessed on January 24, 2022)
  • rarediseases.org/rare-diseases/gaucher-disease/
  • https://www.insa.min-saude.pt/wpcontent/uploads/2019/06/DoencadeGaucher.pdf

 

 

Elaborado por:
Dra. Teresa Pinheiro
Interna de Formação Específica de Pediatria
Serviço de Pediatria, Centro de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo
Centro Hospitalar Universitário de São João