GALACTOSIALIDOSE

GALACTOSIALIDOSE


  • O que é?

A galactosialidose é uma doença de sobrecarga lisossomal rara que se caracteriza pela deficiência de alfa-neuraminidase e beta-galactosidase. Esta doença é causada por mutações gene da catepsina A (CTSA), uma proteína do lisossoma que forma um complexo com a alfa-neuraminidase e beta-galactosidase, protegendo-as da sua degradação.

A alfa-neuraminidase e beta-galactosidase participam na degradação dos oligossacarídeos das glicoproteínas dentro do lisossoma. Consequentemente, a sua deficiência impede o bom funcionamento do lisossoma e leva à acumulação de oligossacarídeos nas células e tecidos de diferentes órgãos, com um efeito tóxico nos mesmos, iniciando toda uma cascata de envolvimentos.

  • Quem são os doentes afetados?

A galactosialidose é uma doença autossómica recessiva, o que significa que são necessárias duas cópias do gene com a mutação patogénica. Ambos os pais, sendo portadores, possuem uma cópia com a mutação, não apresentando assim sintomas da doença. No entanto, o filho afetado recebeu uma cópia com mutação de cada um dos pais. Em cada nova gestação haverá a probabilidade de 25% de um novo filho afetado.

  • Classificação?

A galactosialidose divide-se em 3 tipos, consoante a idade de aparecimento dos primeiros sintomas.

  1. Forma infantil precoce – É o tipo mais severo de doença, sendo que os sintomas surgem na vida fetal ou até aos primeiros 3 meses de vida.
  2. Forma infantil tardia – Trata-se de um tipo com menor severidade. Os sintomas surgem nos primeiros 2 anos de vida, mais frequentemente entre os 3 e os 12 meses.
  3. Forma juvenil/adulta – É a forma mais comum, compreendendo cerca de 60% dos casos. As manifestações da doença surgem na adolescência tardia, ou no início da idade adulta, mais frequentemente aos 16 anos de idade.
  • Sintomas

Na galactosialidose, como referido, face à deficiência no funcionamento do lisossoma, verifica-se a acumulação de material tóxico em todas as células do organismo. Assim, esta doença afeta vários órgãos, incluindo o sistema nervoso, o sistema esquelético, os olhos, o coração, os músculos, entre outros. As manifestações clássicas mais comuns são as alterações do desenvolvimento ósseo, nomeadamente na coluna vertebral, características da denominada disostose multiplex, alterações visuais e auditivas, face tosca com alguns sinais mais grosseiros e perturbação do desenvolvimento intelectual.

 

Os sinais e sintomas podem ser mais ou menos graves, com uma grande variabilidade entre doentes, dependendo da idade em que se manifestaram pela primeira vez. Em geral, as formas de apresentação mais tardia da doença, tem uma evolução menos severa dos sintomas.

 

. Forma infantil precoce – A apresentação pode ocorrer ainda na vida fetal com hidrópsia fetal (acumulação de líquidos no corpo do feto), sendo também possível ocorrer morte in utero. Após o nascimento, a apresentação clínica inclui: face grosseira, hepatoesplenomegalia (aumento do tamanho do fígado e baço), displasia óssea (alterações ósseas), cardiomegalia (aumento do tamanho do coração), condicionando insuficiência cardíaca, insuficiência renal, alterações oculares (nomeadamente, opacidade da córnea e presença de manchas cor de cereja na retina) e alterações neurológicas.

A maioria dos doentes afetados por esta forma tem agravamento rápido da doença, culminando em morte no primeiro ano de vida.

 

. Forma infantil tardia – Este grupo de doentes apresenta sintomas semelhantes ao grupo anterior, com a particularidade que estes se manifestam até aos 2 anos de vida. Podem apresentar: face grosseira, baixa estatura e alterações ósseas, nomeadamente na coluna, hepatoesplenomegalia, alterações visuais, nomeadamente, opacidade da córnea e presença de mancha cor de cereja na retina, surdez, alterações das válvulas cardíacas, nomeadamente da válvula mitral e aórtica. Além disso, alguns doentes podem manifestar perturbação do desenvolvimento intelectual ligeira a moderada. Embora raros, os sintomas neurológicos, incluindo convulsões e mioclonias, podem ocorrer nesta forma.

A maioria dos doentes com esta forma da doença tem uma progressão mais lenta dos sintomas ao longo da idade pediátrica, chegando a atingir a idade adulta. Nessa altura, podem surgir complicações pulmonares e renais da doença.

 

. Forma juvenil/adulta – Estes doentes apresentam grande variabilidade na severidade e velocidade de progressão dos sintomas. Além das manifestações clássicas já mencionadas nas formas anteriores, este grupo caracteriza-se por quadro algo diferente dominado pela presença de sintomas neurológicos mais marcados, nomeadamente ataxia cerebelosa, com propensão a desequilíbrio, mioclonias, crises convulsivas generalizadas e regressão de capacidades intelectuais progressiva, podendo também apresentar pequenas manchas avermelhadas dispersas na pele, denominadas angioqueratomas.

  • Diagnóstico

O diagnóstico da galactosialidose é confirmado pela determinação de atividade enzimática  da alfa-neuraminidase e da beta-galactosidase e pelo estudo genético para determinar a presença de mutações no gene CTSA.

Como método orientador de diagnóstico, pode realizar-se a pesquisa de oligossacarídeos na urina, sendo no entanto de ressalvar que em alguns doentes com galactosialidose o perfil pode continuar dentro da normalidade, pelo que a suspeição clínica deve ser devidamente confirmada, como já referido.

  • Tratamento

Atualmente, não existe nenhum tratamento curativo para a galactosialidose. É essencial a orientação por equipa multidisciplinar especializada e coordenada, concretamente num dos Centros de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo reconhecidos no nosso país, que possa dirigir o tratamento sintomático e de suporte para aliviar os sintomas e prevenir complicações desta doença. O objetivo será melhorar a  qualidade de vida do doente/família e orientar a família para adequada avaliação genética, possibilitando o essencial aconselhamento familiar.

  • Elaborado por:

Dra. Mariana Amorim Ribeiro
Interna de Formação Específica em Cardiologia Pediátrica
Centro de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo
Unidade Local de Saúde de São João

  • Referências

Annunziata, I., & d’Azzo, A. (2017). Galactosialidosis: historic aspects and overview of investigated and emerging treatment options. Expert opinion on orphan drugs, 5(2), 131–141.

d’Azzo, A. (2019). Galactosialidosis. Retirado de https://www.ismrd.org/glycoprotein-diseases/galactosialidosis/ (consultado em setembro de 2024)

Jones, S., & Wijburg, F. (2022). Mucopolysaccharidoses, Oligosaccharidoses and Salic Acid Disorders. In J.-M. Saudubray, M. R. Baumgartner, & J. Walter, Inborn Metabolic Diseases (pp. 577-590). Berlin: Springer.

Galactosialidosis – About the disease (n.d.). Retirado de GARD: https://rarediseases.info.nih.gov/diseases/3953/galactosialidosis (consultado em setembro de 2024)

Galactosialidosis. (n.d.). Retirado de: MedlinePlus Genetics.  https://medlineplus.gov/genetics/condition/galactosialidosis/ (consultado em setembro de 2024)

Galactosialidosis – Entry #256540. (n.d.). Retirado de OMIM: https://omim.org/entry/256540 (consultado em setembro de 2024)

Galactosialidosis. (n.d.). Retirado de: Rare Genomics Institute. https://www.raregenomics.org/galactosialidosis (consultado em setembro de 2024)